Esses dias assisti um vídeo de uma das palestras de Krishnamurti (abaixo) falando sobre iluminação e me peguei fazendo uma avaliação sobre diversos processos que julgava “espirituais” vividos ao longo da vida. Mas que verdadeiramente não passam de distrações, ou hologramas, como gosto de dizer.
Tive uma educação religiosa rígida, mas mesmo desde muito cedo meu censo ético era mais forte do que “você deve” fazer isso ou aquilo em nome de uma religião. E nem sempre a ética que eu conhecia combinava com os dogmas da igreja, que pouco ou nada têm a ver com espiritualidade.
Ouvi e li por toda a vida que o objetivo nesta existência seria buscar a iluminação. Algo que a gente só consegue num futuro distante, provavelmente quando ficar bem velhinho e sábio, às beiras de cruzar a ponte do arco-íris.
Primeiro, ouvi que a iluminação só é possível para os salvos. Para aqueles que leem a Bíblia e oram todos os dias pedindo perdão por seus pecados. Afinal, os pecados são o maior impedimento para a iluminação, certo? Aí descobri que o pecado não existe, pois foi inventado por São Agostinho uns 400 anos depois de Cristo e nunca fez parte dos textos originais. E aí começaram a cair os castelinhos, que estão até hoje em processo de demolição.
Depois, ouvi que a iluminação só viria com a reencarnação. Quanto mais você reencarna, mais iluminado se torna. Mas entendi que quanto mais você reencarna, mais adquire traumas, apegos, contratos, poluindo a rede neural de sua alma com tudo aquilo que faz com que você repita os mesmos erros. Ou seja, mais um holograma. Se isso fosse verdade, viveríamos num jardim de seres iluminados saltitantes, um verdadeiro paraíso sem maldade, sem fronteiras, só amor…
E ao longo de décadas, continuei lendo e ouvindo que para se iluminar é necessário passar por várias iniciações espirituais. Você só irá se iluminar quando deixar de comer carne, quando aprender a viver com poucos recursos. Só quando aprender a meditar e silenciar a mente. Ou apenas quando for capaz de desenvolver sua mediunidade e se conectar com seus guias espirituais. Irá se iluminar quando fizer diversos protocolos de meditação, conexão, exercícios respiratórios, detox, descalcificação da pineal, acessar seu corpo criogênico, fizer peregrinação. Ou só será possível se tornar um ser iluminado vivendo longe da civilização.
Resumindo… só se ilumina no futuro. Hoje, não dá.
Vamos parar um pouco e pensar objetivamente. O que significa se iluminar?
“Espalhar luz sobre ou encher-se de luz”.
A verdade é que não há como experimentar algo com vistas no futuro. Você consegue entender como esse conceito é ilusório? Não há como saber o que é se tornar um ser iluminado baseado no que os outros dizem ter vivenciado.
É impossível dizer “eu amo pudim hoje”, se você só vai experimentar qualquer pudim às vésperas da morte. Ou nunca. Você nunca vai saber se sua ideia de pudim corresponde realmente ao mesmo pudim que você ouviu falar. Ou estaria mais para mousse de chocolate. Como saber?
Aí é que está o segredo. Você nunca saberá. Tornar-se algo no futuro é uma ilusão que criamos ao acreditar que temos tempo. Como se o tempo fosse uma poupança onde colocamos ali nossas expectativas e desejos. E você cria uma mente condicionada a nunca alcançar nada, porque vive eternamente na busca.
Viver na expectativa é acentuar a dualidade. Se eu sou incapaz, mas vivo a expectativa de me tornar capaz de algo, só acentuo minha incapacidade. Como exemplificou Krishnamurti. Se eu sei que sou violento e vivo a expectativa de não-violência, eu não me torno não-violento. Vivo apenas em conflito. Isso é dualidade. E aí me coloco na posição em que “devo” fazer algo para não ser violento. Preciso de um guru, preciso de um sacerdote, preciso de análise, (preciso de remédios), preciso fazer isso e aquilo para deixar de ser violento.
Ou seja, ao fugir da verdade que “sou violento” eu crio uma ilusão, que é a “não-violência”. Mas existe um fato que precisa ser observado objetivamente. A violência. A “não-violência” não existe, portanto, não tem qualquer valor.
Quando somos lúcidos a respeito de um fato, como a violência, observando seus meandros de irritabilidade, raiva, medo, etc. somos capazes de enxergar a violência exatamente como ela é. E da percepção concreta vem a ação.
Pois é nesta promessa ilusória de cura, resgate, salvação que muitos se sustentam. Vendendo conforto emocional, promessa de bem-estar e segurança que você mesmo, nunca saberá se é real. Tornar-se um ser iluminado vem do ego, que muitos renegam, mas na realidade vem de um desejo de se tornar melhor do que os outros. De ser reconhecido como um ser especial.
Iluminar, no entanto, é colocar luz sobre as sombras. Ou seja, se existe uma sombra que necessita de luz, isso acontece agora, no momento presente.
Por isso prefiro mil vezes me tornar uma pessoa lúcida do que uma pessoa iluminada (pelo menos segundo a expectativa que o mundo faz das pessoas iluminadas). Lucidez implica clareza de pensamento, objetividade e a capacidade de observar os fatos como eles realmente se apresentam.
A palavra lucidez vem de lux (luz), trazendo para o momento presente algo mais palpável, algo alcançável hoje mesmo. Sem expectativas de futuro ou de grandes realizações.
Eu posso ser uma pessoa lúcida quando compreendo as minhas fraquezas e ajo sobre elas. Quando observo objetivamente, sem emoções, sem culpados ou vítimas, aquilo que eu posso fazer melhor hoje. Eu me torno uma pessoa lúcida quando consigo priorizar aquilo importante para meu bem-estar, como utilizar meu tempo de forma mais eficiente.
Posso ser lúcida com relação a um determinado problema, buscando diferentes alternativas de solução. Posso ser lúcida com relação a pessoas, sabendo em quem confiar ou não. Me torno uma pessoa lúcida quando compreendo a responsabilidade que tenho sobre minha espiritualidade, sobre o futuro da minha alma. A lucidez nos ajuda a mantermos o foco, sem expectativas ilusórias que obscurecem nossa visão. E a iluminação se dá quando eu adquiro a percepção, a compreensão a respeito de um determinado assunto e ajo sobre ele.
Aliás, o antônimo de lucidez é obscuridade. E a reflexão que fica é… “Vivi mais tempo em lucidez ou na obscuridade?”
Eu me torno uma pessoa lúcida quando compreendo que espiritualidade e vida não estão separados.
Só que muitas vezes não queremos viver a vida que temos. Preferimos ouvir de outros o que é ser espiritual, o que é viver uma vida iluminada. Como se isso bastasse, como se a experiência do outro fosse verdade. Não existem promessas, não existe amanhã. O medo da condenação espiritual, da desaprovação, do abandono são apenas usados como meios de controle e manipulação.
A verdade é aquilo que você experimenta, o que você vive. Não o que o outro diz ser verdade. Porque “no momento em que qualquer ser humano disser que é um iluminado, ele não o é. Isso se chama vaidade.”

Sombra e luz criam imagens. Imagens que necessitam de observação, pois muitas vezes essas imagens são as crenças que criamos a respeito de nós mesmos e do mundo e a partir dessas crenças, projetamos nossa realidade. Infelizmente, vivemos apenas entre projeções que criam conflito, entre as imagens que criamos, as imagens que os outros projetam em nós e os fatos. Vivendo expectativas infundadas ao invés de enxergar as coisas como elas são verdadeiramente. Exatamente como as expectativas que aceitamos a respeito da suposta iluminação.
Iluminação espiritual, portanto, não tem qualquer coisa a ver com processos ao longo do tempo. O que vai contra todo o sistema religioso, que afirma que iluminação é um processo longo e doloroso.
Iluminar é agir. É focar a luz onde há sombra, onde a verdade precisa ser percebida. E a partir da percepção, a ação ocorre naturalmente, pois nasce da luz da razão, da consciência.
“A verdade não pode ser alcançada no tempo. Ou ela está lá, ou não está.”
Do homem mais lúcido que eu gostaria de ter conhecido, Jiddu Krishnamurti.